segunda-feira, 11 de julho de 2011

Candomblé: Repressão através dos jornais no século XX

  RESUMO: O presente trabalho foi desenvolvido a partir da reportagem divulgada pelo Diário de Noticias, em 14 de setembro de 1951, cuja chamada do Box em destaque é agressivamente apelativa: “O Deus tem sede de sangue”; pela primeira vez um jornal publicava uma fotografia de uma iniciação no Candomblé, uma cena muito forte a um olhar leigo: o sacrifício de um animal na cabeça de uma iaô[1]. As imagens e as informações divulgadas pela mídia, mais uma vez, serviram para justificar os preconceitos e perseguições sofridas pelo candomblé.
Palavras Chaves: Sociedade escravista; Conchavos; Confrarias religiosas; Candomblé, iaô.
Introdução
Este artigo foi desenvolvido com o intuito de elucidar quais foram as formas de repressão sofridas pelo candomblé no século XX, e qual a sua origem. E para desenvolvê-lo utilizei como referencial uma reportagem divulgada pelo Diário de Noticias, em 14 de setembro de 1951, “O Deus tem sede de sangue”.
No primeiro item pretendo esclarecer a origem das perseguições ao candomblé, ou seja o seu contexto histórico, cuja todos nós sabemos que se iniciou com a escravidão africana aqui no Brasil, e o processo de dessocialização do negro. Sendo necessário destacar a situação social destes negros no período sistema escravista e com o advento da república; entendendo também qual a participação da Igreja Católica na formação do culto de matriz africana. Pois, de um lado, as confrarias religiosas permitiram a estes negros (africanos ou crioulos) alguma forma de reunião e organização social; e de outro, a Igreja tentou justificar o trabalho penoso do escravo e a necessária submissão e obediência deles. Os dois últimos itens _ os jornais como mecanismo de repressão e o advento da república e a abolição _ tratam dos mecanismos “recriados” na república para controlar e reprimir a população negra, inclusive, o candomblé.
A partir de uma abordagem micro-histórica, com o recorte de uma matéria jornalística para entender a sociedade do século XX, utilizei como metodologia cientifica o Materialismo Histórico Dialético. Uma vez que, esta proporciona uma compreensão das tensões sociais produzidas pelas classes sócias, antes e após a proclamação da república, e da firmação da burguesia como classe social hegemônica.
1. O contexto histórico das perseguições.
Para compreender a origem das perseguições sofridas pelo candomblé, na Bahia, é necessário iniciar este trabalho estabelecendo qual a origem desses preconceitos e perseguições: a escravidão negra. Entendo também quais foram as diferenças significativas entre a escravidão praticada pelos africanos e a que surgiu no Brasil
A experiência da exploração da mão-de-obra servil, tal como foi organizada na América, estava muita mais próxima das modalidades de escravidão antiga do que da servidão patriarcal africana[2]. Uma vez que, os estados guerreiros, caçadores e fornecedores de escravos, não conheciam por experiência própria esse tipo de exploração.
Não convém afirmar que existiu um modelo único de escravidão, e sim as múltiplas formas da condição escrava no Brasil. Essa escravidão deve, em primeiro lugar, contribuir para o desenvolvimento de um tipo agrícola, de metais nobres e pedras preciosas e, mais tarde nos centros urbanos, para uma produção artesanal e serviços sociais.
O negro africano é retirado do seu meio social, e como tal permanecerá até ser metido na sociedade escravista. E essa inserção será tão difícil quanto à captura violenta e brutal, que rompeu com todo o seu relacionamento anterior, como os laços de familiaridades, de clã, de comunidade. O que Matoso (1990) chama de dessocialização, que implica fatalmente na despersonalização do individuo, segundo ela.
É interessante ressaltar, que se realmente houvesse uma despersonalização do negro africano como foi citado, as religiões de matrizes africanas ou o candomblé, como passou a ser conhecido a partir do século XX, não existiriam. Já que estas manifestações religiosas configuram um resgate da identidade africana.
Contudo, a dessocialização definida pela autora de “Ser escravo no Brasil” é peça fundamental para o sistema escravista. O comprador deseja que os escravos sejam modeláveis, maleáveis em todos os domínios, econômicos e sociais.
2.Características da ordem escravista
Para  ordem escravista, o escravo é “inferior” ao seu dono, é uma “coisa” privada de personalidade jurídica e não pode dispor de si mesmo. Mas, para entender a base ideologica da escravidão negra aqui no Brasil é necessário compreender as realções senhorias existentes antes da proclamação da república. O modelo social neste período era masculino, branco, católico, proprietário de terra e das condições de produção; assim tudo que fosse contrário a este modelo social era perseguido, discriminado.
Essa sociedade estava fundamentada nas relações de privilégios e conchavos; em geral os senhores preferiam a persuasão à imposição. Na Bahia, os senhores de engenho substituem a violência e as ameaças por uma verdadeira manipulação de caráter patriarcal e paternalista. Busca fazer do escravo um servidor, um membro da grande família. Desta forma, o escravo adquire certa identidade social, o nome do senhor lhe é dado e ele percebe o peso especifico que ele adquire frente ao homem livre. Assim os senhores de escravo economizam os custos da vigilância, e o risco de ser atacados. São desses privilégios que nasce a função de “feitor”, mestre, cabo de turma, que causa a impressão, nestes escravos, de terem passado para o lado da autoridade. “Dá-me a tua lealdade e eu te darei a proteção e a identidade de minha família”. Contudo, apesar dessas intimidades, o mundo dos senhores e dos escravos permanecem cultural e socialmente separados, antagônicos, confrontando-se de maneira irredutível.
Ainda há certa mobilidade que permite o escravo passar da condição de mão-de-obra à de artesão de talento ou domestico; o que gera também a esperança de uma alforria se os valores ocidentais forem aceitos e renegada a herança africana.
2.1 Nas cidades
Até começos do século XIX, fundam-se confrarias religiosas para os escravos, com o devido cuidado dos senhores em misturar etnias e comunidades, tornando menos homogêneo o grupo de escravos e evitando certas formas de revolta. Alguns senhores chegaram ao ponto de atiçar a rivalidade entre etnias, oferecendo aos escravos de uma delas os serviços suaves e a outras as tarefas penosas.
Os privilégios que gozam os escravos da cidade parecem ser os mesmos dos escravos domésticos. Diferente do horizonte limitado para o escravo do campo, das lavouras. Geralmente os escravos escolhidos para os serviços pessoais eram aqueles que se aproximavam do modelo branco, o mulato, negros nascidos no Brasil. Além disso, os escravos domésticos e/ou das cidades eram indispensáveis aos seus senhores; pois eram eles que saíam com seus tabuleiros de doces e rendas para venderem nas ruas, gerando rendas suplementares.
“A casa, o tipo de habitação, sabe-se que é uma das influências sociais que atuam mais poderosamente sobre o homem. Sobre o homem em geral, mas, em particular, sobre a mulher, quase sempre mais sedentária ou caseira especialmente dentro do sistema patriarcal, inimigo da rua e até da estrada, sempre que se trate de contato da mulher com o estranho.” [3] As senhoras brancas não tinham acesso à rua; pois, esta era considerada impura e apropriada pelas chamadas “mulheres públicas” ou prostitutas. Daí a importância do escravo doméstico, como já foi dito, são eles que saem nas ruas pra vender as rendas produzidas por essas senhoras, quando não produzidas pelas próprias escravas.
Assim, o escravo doméstico, mais do que qualquer outro, deve praticar a obediência, a humildade e a fidelidade, virtude cardeais do bom escravo nos termos que o senhor o modela. Para o escravo a obediência não é totalmente fruto da necessidade gratuita.
2.2 No campo e nas lavouras
No meio rural a autoridade do senhor pesa mais do que na cidade, onde o controle branco é bem mais suave e os negros em maior número podem reagrupar-se por nações.
Nos cafezais e canaviais o escravo fará parte de um grupo de 12 a 15 pessoas, se for considerado jeitoso passa a trabalhar com um escravo antigo para aprender uma especialização, como pedreiro, marceneiro, ferreiro. Ofícios que muitos africanos já desenvolviam em suas antigas comunidades africanas; e os crioulos aprenderam por gerações. Já nas cidades, os senhores preferiam alugar os serviços de escravos capacitados, e costumavam também colocar jovens negros nas oficinas de mestres, geralmente escravos alforriados que se tornaram mestres-instrutores temporários do aprendiz.
Segundo dados levantados por Edmar Ferreira (2009), as mulheres do serviço doméstico estavam mais “próximas” dos seus senhores, por isso sofriam maior coerção  e eram obrigadas a abandonar suas heranças africanas em troca de concessões, de favores. Já as mulheres que trabalhavam na rua, como ganhadeiras e/ou prostitutas, dispunham de maior liberdade para participar dos batuques, sambas e lavagens, para cumprir com suas obrigações religiosas e celebrar com os Inkices, Voduns e Orixás nas cercanias da cidade.
3. A Igreja Católica como mecanismo de repressão.
A sociedade escravista conta como apoio da Igreja Católica para ensinar aos seus trabalhadores as virtudes da PACIÊNCIA e da HUMILDADE, a RESIGNAÇÃO e SUBMISSÃO que  um BOM ESCRAVO DEVE TER.
Um dos fundamentos utilizados pela igreja para justificar a ideologia da escravidão, o conformismo era a comparação da Paixão de Cristo com a condição de escravo. “… Bem aventurados vós sois se souberes conhecer a fortuna do vosso estado… A paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido e vós despidos, Cristo sem comer e vós famintos…” Trecho de um sermão citado por Kátia Matoso.
Trabalhar obediente e na humildade cristã são obrigações de um escravo; proteger seu trabalhador é dever do senhor, que deve zelar por esse capital precioso e tentar aumentar seu rendimento. Para o escravo obedecer é aprender o português, a pratica cristã e, acima de tudo, aprender a trabalhar bem; o que significa submeter-se a disciplina do grupo.
            Os conchavos, no campo da Religiosidade, ganham lugar a partir das Confrarias religiosas do tipo cristã _ sob a proteção da padroeira de Nossa Senhora do Rosário _ e os senhores autorizam as danças e as celebrações segundo os costumes africanos, desde que não choquem a moral ou a religião católica.
O senhor de escravo entende que existe a necessidade dos negros possuírem um refúgio, a fim de aliviar as tensões sociais ou possíveis rebeliões causadas pela formação dessa sociedade escravista. Por isso, criam as irmandades religiosas[4], ou ainda protegem a sobrevivência do que eles entendem como cultura negra; desde que, como já foi citado, não perturbe a ordem moral dessa sociedade.
Assim como no campo, as primeiras associações urbanas de negros são do tipo religioso, e imitam as confrarias importadas de Portugal. As confrarias das cidades coloniais são de homens brancos; somente a partir do século XVII, quando a população da cidade aumenta e junto com ela o número de escravos é que apareceram as primeiras confrarias de gente de cor. Elas se agrupam com homens livres, forros e escravos de acordo com suas origens étnicas, como a confraria Nossa Senhora da Baixa dos Sapateiros que admitiam negros angolanos, Nosso Senhor da Redenção composto por jêjes, outras confrarias só aceitavam mulatos, e assim por diante. Somente no século XIX, as distinções étnicas perdem valor dando lugar às associações civis.
4. Surgimento do Candomblé
Podemos afirmar _ a partir de documentações levantadas e até mesmo de depoimentos de algumas irmandades existentes na atualidade, como a irmandade da Boa Morte _ que os negros aproveitavam a liberdade das associações legais através das confrarias para manter os contatos que podiam levar a outros tipos de reuniões. Em Salvador, os cultos africanos somente começam a ser praticados abertamente a partir do século XIX, e são severamente perseguidos pela polícia.
È em 1830 que algumas mulheres negras originárias de Ketu, na Nigéria, e pertencentes à irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, reuniram-se para estabelecer uma forma de culto que preservasse as tradições africanas aqui no Brasil. Esta reunião aconteceu na antiga Ladeira do Berço, hoje, Rua Visconde de Itaparica, próximo a Igreja da Barroquinha na cidade de São Salvador.
Este culto da forma como é praticado no Brasil, e na Bahia principalmente, não existe na África. O que se pratica nos países do continente africano é o que chamamos de culto à “orisá”, ou seja, cada região africana cultua uma só divindade, e só inicia elegun ou pessoa daquele orisá. No candomblé de nação Ketu, ou nagô como eram mais popularmente conhecidos, as divindades são chamadas de Orixás; no candomblé de nação Jeje são chamados de Voduns, e no candomblé de nação Angola de Inkices. Assim, em cada região da áfrica, em cada etnia se cultua um Inkice, um Vodun, um Orixá diferente.
5. Os jornais como mecanismo de perseguição
A  repressão aos candomblés era sustentada também através das denúncias feitas pelos jornais da época. João Reis em seu livro Domingos Sodré (2008) utiliza a documentação produzida pelo personagem principal _ negro africano trazido para o Brasil para trabalhar como escravo na produção de açúcar no inicio do século XIX _ e sobre a sociedade da época.
 “O suicídio e bem assim a doudice é resultado de crimes ofensivos da moral, e da religião: as casas de candomblé estão dentro e no arredor da cidade! E não há o que investigar!!!… E as casas, oráculos da superstição que dão estes tristes e horrorosos acontecimentos, devem progredir? Não. E não há o que investigar!!!”[5]. “Primeiramente levo ao conhecimento de V.Sa. que tal batuque não se deu, do que estou bastante informado, e que os africanos estavam em seus trabalhos, e isto não é mais do que perseguição, e se V.Sa. por acaso vier uma tarde ver a lavoura destes Africanos se admiraria, e então quereria até garantir-los nesta freguesia, portanto é justo que à vista desta perseguição V.Sa.os deve mandar soltá-los, e se assim o fizer obra com muita justiça”[6].
A imprensa aparenta ter sido mais combativa na perseguição dos “batuques” do que as autoridades policiais, assumindo o discurso de civilizar os costumes. Sem dúvida, os cultos africanos existiriam sempre no Brasil colonial, escondidos, intermitentes, buscando escapar à repressão e a sociedade dominante, que somente se preocupava quando suspeitava que pudessem por em perigo a ordem pública.
5.1 O advento da República e a “Abolição da Escravidão”.
Após 13 de maio de 1888, as autoridades baianas se preocupavam com o rumo que a cidade, e principalmente os negócios iriam tomar. Em seu livro O poder dos candomblés, Edmar ferreira, nos faz  refletir sobre a tentativa do governo em apagar a memória da população afro-brasileira, considerada selvagem e primitiva (no sentido pejorativo da palavra).
O Brasil independente, civilizado, modelado a partir de padrões europeus contava com a impressa para controlar essa almejada civilização. Essa disputa pelo imaginário da nação não se inaugurou com a República, no entanto, a partir dela assumiu novos contornos. A reformulação do sistema legal tencionava interferir em todas as relações sociais engendradas no espaço público.
Os ganhadores e ganhadeiras foram obrigados a se inscrever na secretaria de intendência e receber um número de controle que deveriam usar sempre. Além disso, vários impostos foram criados para a população que tirava o seu sustento das ruas, com o intuito de diminuir a circulação desses negros dos locais públicos, e até mesmo, reduzir a capacidade de sobrevivência desses povos. Também foram proibidos os “bandos de mascarados”, os fogos de artifício, a embriaguez, “palavras e gestos contra a moral”, e quaisquer divertimentos a partir das 22horas (inclua-se o candomblé).  Com certeza, essas leis não foram seguidas à risca e isso levava a impressa local, principalmente o jornal do grupo político na oposição, a questionar a fiscalização municipal.
Nos jornais, a experiência dos populares pode ser classificada em duas esferas: o mundo do trabalho e o mundo do lazer. A primeira é valorizada como constituinte de cidadania, da moral, da ordem pública e da civilização. A segunda, o mundo do lazer, pode ser dividida em duas outras partes distintas: a ludicidade religiosa cristã, valorizada e incentivada pelas irmandades católicas; e a ludicidade profana, vista como fruto da ociosidade, geradora de desordens  e imoralidades. Portanto, é sobre a esfera do lazer dos populares e suas práticas religiosas não-cristãs que vão incidir as campanhas civilizatórias desencadeadas por setores da classe dominante[7].
As denúncias contra os encontros lúdicos e religiosos dos negros aparecem de duas maneiras nos jornais. Algumas vezes elas são levadas a redação por vizinhos ou anônimos, e outras vezes resultam das investigações por parte dos repórteres do períodico. E são destas investigações que temos a publicação no Diário de Noticias, em 14 de setembro de 1951, da reportagem “O Deus tem sede de sangue”;  uma matéria que anunciava a chegada da Revista O Cruzeiro na Bahia no dia seguinte. Nela o Diário de Noticias, assim como os jornais da época, publicaram fotografias de uma iniciação no Candomblé.
José Medeiros. Foto publicada pela Revista O Cruzeiro. Bahia-Brasil. 1951.
As fotografias sobre rituais afro-brasileiros foram realizadas por José Medeiro, publicadas primeiro na Revista o Cruzeiro e depois como livro “O Candomblé”, também publicado em 1957 pela Editora O Cruzeiro.
José Medeiros. Capa do Livro “O Candomblé”. Publicado pela editora O Cruzeiro em 1954.
Em entrevista com o autor das fotos, Fernando Tacca em seu livro Imagens do Sagrado traz mais detalhes sobra a repercussão dessas fotos: “Disse ele (José Medeiros) que em 1951, sentido-se importunado e incomodado por imagens sobre candomblé publicadas por um estrangeiro, resolveu fazer uma reportagem mostrando os aspectos inacessíveis ao olhar leigo dos rituais de iniciação dessa religião afro-brasileira. Segundo ele, a reportagem estrangeira não mostrava o “verdadeiro candomblé”.
Como era costume no processo de decisão de pauta em O Cruzeiro, os fotógrafos tinham autonomia para propor e conduzir uma reportagem. Junto com o jornalista Arlindo Silva, partiu ele para a Bahia,
para tentar uma documentação original dos rituais secretos do candomblé. A dificuldade de aproximação nos terreiros tradicionais levou-os a procurar alternativas e um guia indicou-lhes uma casa não tradicional, na qual três iaôs 3 estavam em reclusão e em processo de iniciação. Assim, ele encontrou um guia que o conduziu a um terreiro na periferia, no qual estariam sendo iniciadas as três iaôs: o Terreiro de Oxóssi, da mãe-de-santo Mãe Riso de Plataforma. Contou-nos Medeiros que “pagou” a mãe-de-santo para fotografar as três iaôs dentro de sua reclusão, as etapas do ritual de iniciação e a festa de saída. “Na verdade, o “pagamento” referia-se aos bichos e outros ingredientes necessários para o ritual.”
José Medeiros. A imagem da iaô, a noviça que passa pelo ritual de iniciação para se tornar filha-de-santo. BAHIA / Brasil. 1951
Talvez para Medeiros, a publicação das imagens que mostravam cenas de sacrifício de animais, cenas internas da reclusão e detalhes do processo ritualístico não pudessem causar tantos problemas aqueles indivíduos evolvidos no processo. No entanto, a polêmica no meio do Candomblé na Bahia levou ao não reconhecimento das iaôs, ficando assim marginalizadas dentro da religião, com conseqüências graves para elas
A mãe-de-santo teria também sofrido muitas perseguições dentro do meio religioso e até mesmo tendo de explicar suas razões de deixar-se fotografar em uma delegacia de polícia.
A Federação dos Cultos Afro-Brasileiros, denunciou Mãe Riso da Plataforma para a polícia e criou uma hostilidade com características agressivas e violentas contra ela em Salvador. Fazendo publicar um anúncio, no dia 22 de novembro de 1951, no jornal A Tarde, a Federação Baiana de Cultos Afro-brasileiros confirmou o impacto expressivo dessas fotografias:
“A Federação Bahiana de Culto Afro-Brasileiro tem a grata satisfação de convidar todos os terreiros, os simpatizantes do culto, a imprensa e o povo, em geral, para assistirem à assembléia geral extraordinária, a realizar-se no Domingo, 25 do corrente, às 14:00 horas, 1º andar, defronte à entrada do Cinema Liceu, a fim de especialmente julgar conveniente as publicações que foram feitas nas revistas ‘Paris Match’ e ‘O Cruzeiro’, a respeito do culto africano na Bahia”.
É notório que, já na década de 50, existia uma organização a nível federal capaz de “controlar” e criar normas para os cultos de matriz africana. O que só reafirma a idéia do resgate, da manutenção da herança negra. Uma vez que, os “batuques”, os candomblés sempre coexistiram com as perseguições senhorias, policiais; e para isto criaram mecanismos de resistência, através das irmandades, do sincretismo religioso. Logo, se os mecanismos de repressão mudaram, as formas de resistência desse legado negro também se modificaram, prova disso é a utilização, também do jornal, pelo “povo de santo” para posicionar-se quanto o preconceito e a intolerância religiosa.
Conclusão
Entender a repressão do candomblé através dos jornais do século XX é elucidar o papel da mídia no século XXI, tanto em relação aos candomblés, com emissoras de TV protestantes propagando a intolerância religiosa, quanto à sociedade como um todo. A proclamação da república e a abolição dos negros não foram suficientes, e nem quiseram ser, para por fim aos preconceitos trazidos com a escravidão realizada nas Américas.
Acredito que a metodologia utilizada ajudou a organizar melhor as informações sobre a permanência das repressões _ ao negro e a tudo que fosse contrario a idéia de civilização _ durante o período republicano. Dividindo a sociedade em classes podemos visualizar as pequenas modificações ocorridas na transição do poder dos senhores de escravos para a burguesia.
Assim, este artigo permite avaliar qual a ”imagem” do negro, antes escravo, agora liberto, na sociedade baiana; o que inspira outras leituras sobre grandes personalidades negras _ como Pedro Arcanjo e o”Rei King” (título retirado da reportagem publicada no Diário Oficial do Estado da Bahia, em 1990) _ que a historiografia positivista anulou dos livros didáticos, e do conhecimento da sua própria população.

* Juliana Souza dos Santos. Estudante de Licenciatura e bacharelado em História pela UCSAL, estagiária do Centro de Memórias – FPC e Professora estagiária do Colégio Estadual Tereza Conceição de Menezes.

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